“...influenciar alguém é entregar-lhe a própria alma. Todo aquele que é influenciado deixa de agitar os seus pensamentos, não mais queima as próprias paixões. Na realidade, nem as suas virtudes lhe pertencem. Os seus pecados – se é que jamais existiu coisa parecida – tornam-se igualmente um empréstimo. Converte-se no eco de estranha música, desempenha um papel preparado para outro. Desenvolver-se a si mesmo, eis o objetivo da vida. Foi para expandir-nos plenamente que viemos ao mundo. Hoje em dia, parece que todos têm medo de si mesmos. Dir-se-ia que não há ninguém que não tenha esquecido o dever primordial, o dever de cada um de nós tem para consigo próprio. É certo que há caritativas, que alimentam os que têm fome, vestem os esfarrapados. Entretanto, a própria alma está nua e faminta. A coragem desertou da nossa raça, se é que algum dia fomos gente de coragem. O temor da sociedade, que é a base da moral, o temor a Deus, que é o segredo da religião; eis os dois princípios que nos governam... o mais decidido dentre nós tem medo de si mesmo. O costume selvagem da mutilação tem seu prolongamento trágico na renúncia pessoal que tira todo o encanto à vida. Arrastamos o peso das próprias resistências. Todos os desejos que tentamos abafar, dormitam em nosso espírito e nos envenenam...”
Wilde, O. O retrato de Dorian Gray. 2.ed. São Paulo: Clube do livro. 1988. (pg. 27-28).